Em maio de 2020, foi finalmente aberto o procedimento concursal para a seleção internacional de diretores de Museus, Palácios e Monumentos nacionais afetos à Direção-Geral do Património Cultural, concurso que se dividiu em duas fases.
A primeira, a 29 de maio (DR, Aviso 8441D/2020) abriu as candidaturas a seguir referidas, tendo o processo ficado concluído em finais de fevereiro de 2021: Mosteiro dos Jerónimos e Torre de Belém (Lisboa); Panteão Nacional (Lisboa); Palácio Nacional da Ajuda/Museu do Tesouro Real (Lisboa); Museu Nacional de Arqueologia (Lisboa); Museu Nacional de Grão Vasco (Viseu); Museu Nacional de Soares dos Reis (Porto); Museu Nacional Machado de Castro (Coimbra); Museu Monográfico de Conímbriga (Coimbra); Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo (Évora).
A segunda, a 19 de junho (DR, Aviso n.º 9312-A/2020), para os museus abaixo referidos e que ainda não se encontra finalizada, uma vez que os procedimentos concursais referentes ao Museu Nacional da Música e Mosteiro de Alcobaça, ainda não estão concluídos: Mosteiro de Alcobaça (Alcobaça); Palácio Nacional de Mafra (Mafra); Museu Nacional da Música (Lisboa); Museu Nacional do Azulejo (Lisboa); Museu Nacional dos Coches (Lisboa); Museu Nacional de Arte Contemporânea e Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves (Lisboa); Museu Nacional de Etnologia e do Museu de Arte Popular (Lisboa); Museu Nacional do Teatro e da Dança e o Museu Nacional do Traje (Lisboa).
Mais tarde, em novembro de 2020, seria também aberto concurso para o Museu Nacional Resistência e Liberdade (DR, Aviso n.º 18588-A/2020), já concluído.
De referir ainda que estes concursos não abrangeram o Mosteiro da Batalha, o Convento de Cristo, em Tomar, nem o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, cuja abertura ainda não teve inexplicavelmente lugar.
Vários membros dos Corpos Sociais e da Direção da Comissão Nacional Portuguesa do ICOM integraram estes júris, na qualidade de membros efetivos ou/e de vogais, a saber: Maria de Jesus Monge, concursos para as direções do Museu Nacional Soares dos Reis, Museu Nacional Grão Vasco e do Museu Regional de Beja (da responsabilidade da Direção Regional de Cultura do Alentejo); Ana Mercedes Stoffel, concursos para as direções do Museu Nacional do Teatro e do Museu Nacional do Traje; José Gameiro, concursos para as direções do Museu Nacional Machado de Castro e do Museu Nacional Liberdade e Resistência; e Maria José Santos, concurso para a direção do Museu Nacional dos Coches.
Embora estes procedimentos não estejam encerrados, uma vez que os procedimentos concursais referentes aos Museu Nacional da Música e Mosteiro de Alcobaça, ainda não estão concluídos, com a nomeação e tomada de posse de novos dirigentes, é desejo do ICOM Portugal identificar e partilhar algumas reflexões e recomendações sobre estes procedimentos concursais e como poderão vir a ser melhorados no futuro:
1. Sobre a composição dos júris dos procedimentos concursais
A composição do júri prevista no decreto-lei 78/2019 (Art.º 14.º) tornou evidente o peso excessivo da universidade nos concursos.
De facto, entre os quatro membros do Júri nunca houve mais do que dois profissionais de museus (não contabilizamos aqui o membro da DGPC enquanto presidente do júri), sendo que na maioria dos casos apenas existiu um.
Este aspeto acabou por ter reflexos na escolha, sobretudo nos casos onde não havia uma candidatura do anterior diretor.
Fica-se com a sensação de que se privilegiou preferencialmente as valências académicas e literárias, em detrimento das capacidades inerentes à experiência museológica e às práticas museográficas. Nesse sentido, considera-se que a constituição do júri deve ser repensada, aumentando o número de profissionais seniores provenientes de museus ou de associações de profissionais (ICOM-PT e APOM, ICOMOS, etc).
Por fim, a ausência da componente museológica na segunda fase, tentou ser compensada com a alteração do edital, dando-se relevância a quem apresentasse pós-graduação nas áreas da Museologia. Chama-se a atenção que esta alteração, apresentada extemporaneamente, não teve qualquer relevância prática.
2. Sobre a avaliação das candidaturas e critérios de ponderação
Constatamos ainda, relativamente ao formato dos conteúdos das grelhas de avaliação do concurso e à revisão dos valores das classificações a atribuir na Avaliação Curricular, Projeto (e carta de motivação nele incluído) e Entrevista:
Geral: A atribuição de notas apenas nos valores 8, 12, 16 e 20 não permite avaliar corretamente as diferenças entre os candidatos e obriga a escolhas injustas e incorretas, especialmente nos valores entre 16 e o 20. Faltam as notas intermédias 10, 14 e 18. As fórmulas de ponderação aplicadas depois, criam desigualdades desproporcionais, atribuindo posições praticamente definitivas em alguns casos, ainda a meio do processo de avaliação.
Avaliação curricular: É desproporcionada a valorização da formação académica e profissional face a experiência no exercício da função museológica ou a intervenção dos candidatos em publicações, conferências e atividades de formação. No caso específico da formação profissional, não faz sentido sobrevalorizar as horas de formação profissional recebidas. Sendo importante nos jovens profissionais, não se justifica em pessoas com anos de trabalho e que participam elas próprias como profissionais, conferencistas e formadores nas ações de formação realizadas.
Projeto/Abordagem Cultural /Artística: A excessiva valorização do Projeto no computo geral de avaliação, deveria exigir sempre a apresentação e defesa deste pelo candidato perante o júri, provando assim o domínio da matéria apresentada e os seus conhecimentos e empenhamento para o levar a efeito. Mais uma vez, o excessivo pormenor favorece os candidatos internos, pelo que sugerimos sejam valorizadas linhas programáticas gerais. Dentro deste princípio do equilíbrio entre concorrentes, a Carta de Motivação deveria ser o critério a valorizar dentro do contexto deste método de seleção.
Entrevista: A entrevista deveria ser mais importante em duração e não apenas uma conversa pergunta/resposta; seria o momento ideal para o júri se aperceber da capacidade dos candidatos para executar os trabalhos e intenções que apresentam no projeto e na carta de motivação.
3. Sobre a baixa adesão e número diminuto de candidaturas.
Deveria igualmente ser motivo de reflexão a baixa adesão de candidatos aos 22 concursos abertos. A DGPC, informou, em dezembro, que tinha recebido 146 candidaturas, entre as quais as de 32 cidadãos estrangeiros, o que nos parece um número diminuto, tendo em conta a quantidade de concursos abertos, sendo que em média houve cerca de 5 candidatos a cada concurso.
Compete igualmente referir que muitos dos candidatos estrangeiros, na sua maioria brasileiros, não foram considerados elegíveis para participar no concurso, devido a não lhes terem sido reconhecidas as suas habilitações académicas. Na prática, o que veio a verificar-se, apesar de se ter aberto um concurso internacional, foi que os candidatos elegíveis eram maioritariamente portugueses.
Estas candidaturas foram manifestamente reduzidas se comparadas com as apresentadas a alguns dos concursos abertos para a direção de outros museus, por exemplo da EGEAC. Porque será que os museus e palácios nacionais se tornaram tão pouco atrativos?
O número mais reduzido de candidatos a alguns dos museus coincide com os museus cujos diretores concorreram, situação que é tradicional, mas não favorece uma salutar exigência por parte dos diretores a concurso. Esta perceção de favoritismo à partida, é contrária à exigência de permanente avaliação e inovação.
A forma como a avaliação foi feita favorece manifestamente quem está dentro da instituição, particularmente os diretores. Sugere-se assim que, em futuros concursos, seja dado um maior peso e valorizada a experiência profissional em museus, nomeadamente aspetos práticos como gestão de coleções, conservação, organização e comissariado de exposições e experiência com públicos. Só assim acreditamos ser possível avaliar candidatos e competências sem o viés do conhecimento interno, tornando mais aliciante a candidatura.
Merece reflexão o facto de não haver a capacidade, dentro de instituições que deveriam ser de referência nacional nas respetivas áreas de saber, de gerar candidatos para assumir a continuidade ou opções bem diversas, mas enformadas pelo conhecimento profundo de coleções e saberes.
4. Sobre a demora temporal no desenvolvimento e conclusão dos procedimentos.
A incapacidade demonstrada pela DGPC na conclusão atempada dos concursos e, passados vários meses (nalguns casos quase um ano) o incumprimento relativo à assinatura dos contratos programa, que deveria ocorrer até 90 dias depois da entrada em funções dos vencedores dos concursos, são confirmações adicionais da dificuldade da DGPC em concretizar projetos. A perceção pública de falência de recursos a todos os níveis e de inoperância administrativa, justificam a falta de interesse revelada pelo baixo número de candidaturas.
Concluindo, o decreto-lei da autonomia veio devolver ao panorama museológico nacional a esperança de finalmente ver dotadas as instituições museológicas de referência com condições para cumprir a missão que lhes é cometida na Lei-Quadro dos Museus e no próprio decreto-lei da autonomia. Pelo valor de referência que lhes é conferido, pelo reconhecimento da importância nacional, estas instituições são muitas vezes consideradas como o referencial para os restantes museus.
A dependência administrativa da Rede Portuguesa de Museus (RPM) da Direção-Geral que tutela os museus nacionais, deveria indicar alguma concertação estratégica, que não se tem verificado.
Assim, finalizando, solicitamos que seja feita uma avaliação de todo o procedimento concursal, com resultados a serem apresentados no Conselho Geral de Museus, Palácios e Monumentos e na SMUCRI. Consideramos fundamental que esta apreciação dos primeiros concursos, realizados no âmbito do decreto-lei da autonomia, sirva para introduzir melhorias no texto legislativo e, sobretudo, para alertar para o seu indispensável cumprimento.
O continuado incumprimento da legislação que é produzida na área do património cultural revela a falta de investimento e reconhecimento da área e é responsável pelo degradar das instituições a quem compete a salvaguarda, estudo e comunicação da memória nacional.
Lisboa, 23 de maio de 2022
Direção da Comissão Nacional Portuguesa do ICOM
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